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style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
No final da pedregosa Rua João Paulo Nunes, na Vila Nossa Senhora da Conceição, uma alternativa à quarentena se desenhava em letras e números sobre o velho quadro negro escorado em um muro. Ali, no improviso, Ana Cassiane Rodrigues Maia, 11 anos, dava aula a outras crianças que tinham entre 3 e 12 anos. Sentadas no chão, olhavam atentas à explicação da "professora" que ensinava sobre separação silábica, adição, subtração e a importância de manterem-se afastados pelo menos um metro para evitar o contágio do coronavírus. Se na década de 1980, o escritor colombiano Gabriel García Marquéz inspirava sua poesia em Amor nos Tempos do Cólera, a pequena Cassiane, mal sabe, mas, em 2020, propaga educação em tempos de pandemia.
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O ímpeto de ensinar veio desde que ela era pequena e tem influência da mãe, Cristiane de Andrade Rodrigues, 31 anos. Ela também é mãe de Ana Luiza, 8, e espera a chegada de Ana Lívia, que deve nascer em um mês. Atualmente, Cristiane trabalha como serviços gerais, está de licença-saúde e também teve de trancar o curso de Pedagogia.
- Quando ganhei a Cassi, fiquei sem poder pegar muito ela no colo. Há pouco, eu havia descoberto uma doença rara, a miastenia gravis, que afeta, principalmente, os nervos e os músculos. Ela cresceu independente, forte, com liderança. É meu braço direito. Tudo o que pude dar a ela foi amor e o incentivo aos estudos e à leitura. Quando ela já estava no colégio fizeram reformas e trocaram uns quadros. Foi então que pedi para que me dessem esse. Aí, eu dava aulinhas para ela nesse mesmo quadro que hoje ela ensina outras crianças - conta a mãe, lembrando que a professora Maria Helena foi uma grande incentivadora.
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Há cerca de duas semanas, Ana Cassiane começou com suas aulas diárias. Ela e a irmã Ana Luiza têm acesso à internet e televisão, mas queriam ajudar os vizinhos que precisaram se afastar da escola e não tinham muitas opções de lazer. Elas também sabem sobre regras de isolamento, e é por isso que os encontros têm horários determinados e ocorrem sempre à tardinha. Em uma pequena mesa, ficam os menores, entre 3 e 6 anos. Eles fazem desenhos, pinturas e rabiscos. Com cadernos e lápis em punho, os maiores aprendem conteúdos diversos, como português e matemática.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Pedro Piegas (Diário)
Luiz Eduardo (ao centro) quer ser bombeiro. Gabriel (à esq.)
quer ser dono de uma "vendinha". Eles estudam até fora da escola
A DESCOBERTA
No dia 2 de abril, a "escola a céu aberto" de Ana Cassiane foi descoberta, coincidentemente, por duas professoras que, junto de outras pessoas, faziam uma ação solidária e passavam pelo Bairro Caturrita, na região norte da cidade. Simone Mariuzzi, 52 anos, já aposentada, e Rosane Gonçalves, 53, entregavam alimentos. Ambas deram aula na Escola Estadual Humberto de Campos, anexa ao Centro de Atendimento Socioeducativo (Case). A surpresa foi compartilhada no Facebook e rendeu bons comentários.
- Foi uma cena raríssima. Digna de aparecer em jornal, de ser compartilhada como exemplo. Era tanto amor naquela menina ensinando - relata Rosane.
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Depois do primeiro encontro, as educadoras voltaram ao local e providenciaram material escolar, luvas e máscaras.
- Eu parei e fiquei em estado de choque vendo as crianças sentadinhas, prestando atenção. Vou comemorar meu aniversário dia 6 (ontem) com elas - completa Simone.
"Com estudo, vocês podem ser o que quiserem"
O pai de Ana Cassiane é funcionário em uma empresa e ocupa funções como corte de grama e serviços de jardinagem em geral. Cristiane, a mãe, trabalhou muitas vezes como faxineira. Ambos são referência para as filhas. Porém, Cristiane sempre deixou claro que sonhar é uma mola propulsora para a vida, e que o estudo, um encurtador de caminhos para ir bem mais longe:
- A Cassi ia comigo para o trabalho, anos atrás, e sempre queria me ajudar. Ela dizia: "mamãe, quero ser que nem tu". E eu deixava bem claro: "a mamãe e o papai têm trabalhos muito dignos e muito importantes, porque qualquer profissão é importante. Tu podes até ser faxineira, mas nosso maior sonho é ver vocês na faculdade e, depois, formadas no curso superior. Com estudo, vocês podem ser o que quiserem".
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Hoje, aos 11 anos, a menina que brinca de ser professora também leva a sério a responsabilidade que é trilhar o seu futuro e ajudar o de outras crianças. É por isso que ela está ali, dando aulas na rua. Na verdade, Cassiane sonha em ser uma policial.
Em uma roda de conversa sobre profissões, a prima e aluna de improviso das aulinhas, Sabrina Silva, 12 anos, conta à reportagem que se imagina enfermeira, para cuidar dos amigos e familiares, caso um dia adoeçam. Luiz Eduardo de Souza, 8 anos, invade o assunto das meninas e diz que quer ser bombeiro. Gabriel Cavalheiro Soares, 8, ergue a mão um pouco tímido e diz:
- Eu quero ser dono de uma "vendinha".
Que valha a sentença de Cristiane e que um dia cada um deles possa ser o que quiser.